Autenticidade o “Novo Luxo”

Autenticidade o “Novo Luxo”

*Extrato adaptado de um texto de Vítor Belanciano do Jornal Público

A revista global de tendências Monocle realizou a sua primeira conferência internacional em Lisboa, propondo um conjunto de reflexões sobre a qualidade de vida urbana. Autenticidade, memória e escala humana são vitais.

Luxo pode ser ter dinheiro para jóias ou grandes marcas. Mas também pode ser ter tempo. Um estilo de vida humanizado. Um ambiente onde se respira autenticidade. Estabelecer uma relação afetiva com o que se consome. Acreditar na memória como forma de projetar o futuro. E privilegiar as ligações tangíveis ou as relações de proximidade.

“A nova definição de luxo não é grandes marcas, semelhantes em todo o lado, mas a autenticidade, a história, a memória, porque é isso que atrai as pessoas às cidades”, arriscou o director da Monocle, Tyler Brûle, na primeira conferência internacional desta revista de tendências.

O ideal contemporâneo de qualidade de vida, de lazer, de consumo cultural ou de sociabilização que emite a influente revista britânica de impacto global passa por aí. Não surpreende, por isso, que para a conferência (The Monocle Quality Of Life) tenha escolhido um painel que revelou personalidades, projectos e práticas de todo o mundo, que acabam por atribuir sentido a essas propriedades.

Também não espantou a escolha de Lisboa. Por um lado, é a 9ª cidade do mundo onde a revista tem mais leitores e, por outro, a conferência, que aconteceu no hotel Ritz, teve o apoio da Secretaria de Estado do Turismo.

Para além de jornalistas, estiveram presentes mais de 150 delegados, dos EUA, Japão, Austrália e Europa, entre empresários, políticos, designers ou arquitectos, a maioria representando empresas ou instituições que para fazerem parte da experiência Monocle, durante três dias, desembolsaram 1.500 euros. “É muito? Depende da perspectiva”, diz-nos o búlgaro Ivan Koleliev, manager numa empresa global de consultoria, sediada no Canadá, ligada a projectos científicos. “Não é apenas o conhecimento, é também a interacção ou as novas cooperações, ou seja, isto é também um investimento.”

No núcleo da maior parte das intervenções esteve a noção de “marca”, essa ideia de que é possível uma publicação estar agregada a produtos ou acontecimentos se tiver qualidade e credibilidade. “Um bom exemplo é este evento, o futuro passa por aqui, pelas experiências”, atirou o americano Andrew Keen, que acabou de editar o livro The Internet Is Not The Answer.

“Se dermos às pessoas apenas o que elas querem, sem irmos mais além, fazendo um jornalismo de contabilização de cliques da Internet, qualquer dia só publicamos vídeos de gatos”, ironizou Andrew Keen, comparando o regresso do vinil – no campo da música – à reacção que prevê virá a acontecer com os jornais.

“A nova definição de luxo não é grandes marcas, semelhantes em todo o lado, mas a autenticidade, a história, a memória, porque é isso que atrai as pessoas às cidades”, arriscou o director da Monocle, Tyler Brûle, na primeira conferência internacional desta revista de tendências.

O sueco Oscar Engelbert, que constrói e vende habitações, argumentou que, para além da qualidade, o que acaba por criar mais-valia e apetência no comprador é a memória do edifício.

Como num museu. “Porque é que em plena idade digital as pessoas vão mais do que nunca a museus? Porque querem autenticidade e qualidade. Querem o que apenas podem ver nos museus.

“Quanto mais digitais somos, mais queremos a experiência da coisa autêntica”, afirmou o historiador de arte Taco Dibbits, do Rijksmuseum da Holanda, secundado pelo director do Museu Palestino, Jack Persekian: “as pessoas querem sentir de forma tangível. Querem tocar. Querem sentir que pertencem e têm desejo de partilhar essa sensação de pertença com outras.”

Falou-se também de identidades, claro. Em países estabelecidos, como a Inglaterra ou a Holanda, “as colecções pertencem ao mundo, deve existir partilha da memória”, analisou Martin Roth. No caso palestino, “olha-se mais o futuro”, expôs Persekian, acrescentando que é uma responsabilidade pensar “como é que um museu pode definir uma nação.”

De preservação também se falou a propósito do regresso dos fazedores, dos artífices, das técnicas e dos saberes que nas últimas décadas se foram tornando raras e que agora é possível aplicar em novos contextos. O galês David Hieatt fundou uma companhia de jeans com operários de uma antiga fábrica, iniciando um bem-sucedido processo de reconversão: “Não é apenas o produto final que interessa, é também o processo. Em causa está um saber que se iria perder e que é garantia de qualidade e distinção, ao mesmo tempo que também existe uma história, a daquela fábrica e das suas pessoas, que deve ser valorizada.”

Dessa possibilidade de juntar pessoas, às vezes antagonistas, à volta de um projecto que as desloca do conflito, falou o libanês Kamal Mouzawak, responsável por um mercado em Beirute que agrega tradições e agricultores de pequena escala. “Make food, not war”, brincou ele, falando da possibilidade de aproximar comunidades à volta do mesmo objectivo.

Catarina Portas, fundadora de A Vida Portuguesa, salientou que alguns países sabem comunicar o que têm para vender, “mas deixaram de saber fazer”, porque não têm apostado na “transmissão do saber, com memória, com diferença, com identidade.” É preciso uma outra forma de olhar para as coisas, “mais tangível”, disse, lamentando que não exista muita consciência dessa riqueza e herança, aqui.

Foi aí que Tyler Brûle argumentou que Portugal era um país que “fazia sentido”, porque reunia as características ali nomeadas por quase todos. “Autenticidade, memória, sentido de lugar.”

Um luxo, portanto. O que falta para o activar? Longa conversa.